Actualmente encontram-se em vigor o Decreto-Lei n.º 56/84/M, de 30 de Junho, e o Decreto-Lei n.º 83/92/M, de 31 de Dezembro, que definem conjuntamente as medidas de salvaguarda do património cultural de Macau. O primeiro apresenta a definição das categorias do património cultural e estabelece a política de salvaguarda do património arquitectónico, paisagístico e cultural, fixando, de forma clara, os diversos procedimentos inerentes à protecção do património. O segundo diploma estabelece a categoria de "Edifício de Interesse Arquitectónico", permitindo igualmente a actualização da lista de monumentos, conjuntos e sítios classificados. Com a inscrição, em Julho de 2005, do Centro Histórico de Macau na Lista do Património Mundial da UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, considerou-se necessário viabilizar uma revisão e actualização mais profundas da legislação em vigor. As ideias mais actuais relativas à salvaguarda do património cultural incluem noções relativas à protecção de áreas envolventes, compatibilização de actividades culturais, programas socio-económicos dos espaços e planeamento urbanístico relativamente ao passado histórico dos bens em causa, apoiando-se ainda no respeito por confissões religiosas e tradições que estejam associadas ao património cultural. É necessário conciliar a salvaguarda do património cultural com o desenvolvimento urbanístico, as políticas do Governo, as disponibilidades financeiras, o perfil social da comunidade e a participação pública em assuntos do património cultural, incluindo o desenvolvimento da respectiva legislação e medidas regulamentares. Tendo em conta as considerações mencionadas, o Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) elaborou a proposta de Lei de Salvaguarda do Património Cultural com o objectivo de providenciar meios que viabilizem a salvaguarda eficaz do património cultural de Macau a longo prazo e de dar resposta capaz aos desafios, no que diz respeito à sustentabilidade e equilíbrio ambiental do desenvolvimento urbanístico de Macau. Nestes termos, a proposta de lei foi desenvolvida com base na situação concreta da RAEM, bem como nos principais conceitos jurídicos da actualidade na área da protecção do património cultural, dando cumprimento às principais convenções internacionais e integrando a experiência de casos de sucesso, tanto da China, como do exterior, tendo ainda sido consultada de forma abrangente a opinião pública. O conteúdo principal da proposta de lei é o seguinte: 1. A inscrição do Centro Histórico de Macau na Lista do Património Mundial permite o reconhecimento mais alargado sobre o valor único deste legado patrimonial no contexto da história da Humanidade. Este facto motivou e justifica a necessidade de se proceder a uma reapreciação do conceito de património cultural, procurando atingir-se um grau de exigência mais elevado para a protecção do valor dos bens culturais de Macau. Assim, a proposta de lei estabelece a definição das diversas categorias do património cultural, após consultados os conceitos estabelecidos no direito internacional. 2. Reconhece-se, ainda, as várias vertentes que o património cultural pode assumir. Com o intuito de proteger de forma eficaz a herança cultural única de Macau, a proposta de lei integra no seu âmbito de protecção o património cultural imóvel, o património cultural móvel e o património cultural intangível, dedicando a cada uma destas realidades um capítulo autónomo, onde são regulados os procedimentos de classificação, os critérios de apreciação, as medidas de protecção e outras considerações adaptadas às condições específicas de cada tipo de património. 3. Procurando-se promover a salvaguarda do património cultural, a proposta de lei estabelece a criação do Conselho do Património Cultural, órgão de consulta do Governo da RAEM ao qual cabe a emissão de pareceres sobre os procedimentos de classificação, a utilização a dar aos imóveis classificados, os projectos de arquitectura, a execução de obras dentro de zonas de protecção, as obras de grande impacte, a exportação de bens móveis classificados e sobre os procedimentos de inventariação na lista do património cultural intangível. 4. Constituindo o Centro Histórico de Macau um dos principais temas na área da salvaguarda do património cultural, estabeleceu-se um regime específico para a sua protecção, assegurando-se a respectiva integridade, tanto dos bens imóveis, como das respectivas zonas de protecção. Assim, a proposta de lei dedica um capítulo exclusivo a este tema, no qual se prevê que o Governo da RAEM deve elaborar um Plano de Gestão, dando deste modo cumprimento às orientações da UNESCO, tendo ainda em conta outras directivas técnicas para a adopção de conteúdo adequado à protecção e valorização do Centro Histórico de Macau. 5. A proposta de lei estabelece também que os imóveis classificados podem dispor de zonas de protecção, quando tal se revele indispensável para a sua defesa e valorização, regulamentando ainda o conteúdo que deve fazer parte da determinação dessas mesmas zonas de protecção e os processos de licenciamento de novas construções ou de quaisquer obras de ampliação, modificação ou demolição de imóveis, realçando que tais licenciamentos dependem de parecer obrigatório e vinculativo do Instituto Cultural (IC). 6. Considerando que a salvaguarda do património cultural necessita da participação dos residentes da RAEM, a proposta de lei consagra o princípio de participação, promovendo a participação da comunidade na formulação e implementação da política de salvaguarda do património cultural, nomeadamente através de acções de consulta pública que possam ser viabilizadas. 7. A proposta de lei prevê os direitos e deveres dos proprietários de património cultural. Os proprietários gozam dos seguintes direitos: informação sobre as medidas políticas estabelecidas para a salvaguarda do património cultural; indemnização compensatória, sempre que da aplicação das medidas de salvaguarda do património cultural resultem uma proibição ou restrição grave à utilização do bem classificado, ou restrição de quaisquer outros direitos adquiridos; acesso a benefícios e a isenções fiscais e a programas de apoio financeiro ou de outra natureza. Os proprietários de património cultural, por outro lado, estão sujeitos aos seguintes deveres: garantir a conservação dos bens classificados na sua utilização; facultar aos serviços competentes a informação necessária para a execução da lei; colaborar na execução das obras ou intervenções necessárias para assegurar a salvaguarda do bem classificado; comunicar ao IC a intenção de venda ou de dação em pagamento de imóveis classificados e indicar as respectivas condições. A proposta de lei prevê ainda a responsabilização e respectivas penalidades decorrentes da violação dos deveres dos proprietários do património cultural. 8. Tendo em vista promover de uma forma mais alargada a salvaguarda do património cultural, a proposta de lei estabelece também um novo regime de prémios, benefícios, incentivos e apoios. São instituídos prémios de reconhecimento do mérito e qualidade de determinadas acções privadas na área da salvaguarda do património cultural. Os valores despendidos em obras de conservação, restauro, reparação ou consolidação de bens imóveis classificados, ou em imóveis inseridos nas respectivas zonas de protecção podem ser deduzidos na matéria colectável do Imposto Profissional ou do Imposto Complementar de Rendimentos a pagar por pessoas singulares ou colectivas que tenham suportado o respectivo encargo. Gozam de isenção da Contribuição Industrial os estabelecimentos comerciais ou industriais instalados em imóveis classificados e nas respectivas zonas de protecção. Atendendo à situação concreta, os serviços públicos podem conceder apoio financeiro ou técnico para a execução de obras de salvaguarda em imóveis de interesse cultural. 9. Conjuntamente com as multas previstas na proposta de lei, podem ser aplicadas ao infractor ainda as seguintes sanções acessórias: privação do direito a benefício outorgado por serviço público para efeitos de salvaguarda do património cultural; privação do direito de participação em concursos públicos; suspensão de autorizações, licenças e alvarás. Para além destas medidas, o incumprimento da ordem de reconstrução ou demolição em relação aos imóveis em vias de classificação ou aos imóveis situados na zona de protecção provisória, em directo desrespeito do regime previsto na proposta de lei, constitui crime de desobediência qualificada. Por seu turno, a destruição, roubo ou furto de vestígios arqueológicos, em violação do disposto na proposta de lei, constituem igualmente infracções criminais.