1. O Comissariado contra a Corrupção (CCAC) recebeu, em 30 de Maio do corrente ano, uma queixa relacionada com o serviço de autocarros públicos, segundo a qual existem actualmente muitas irregularidades nesta área, entre as quais, a ocorrência do chamado incidente "autocarros fantasma" e, sendo o desempenho do serviço de fiscalização insatisfatório, tal tem vindo a dar origem a vários problemas com o serviço em questão. É apontado também que se suspeita neste acto da existência da oferta de vantagens ilícitas. Neste contexto, foram tomadas pelo CCAC as respectivas diligências de investigação. No entanto, tendo em consideração que a Sociedade de Transportes Públicos Reolian, S.A., apresentou, subitamente, em 3 de Outubro de 2013, um pedido de falência junto do Tribunal de Primeira Instância, torna-se necessário o CCAC ajustar o seu plano de trabalho e, no pressuposto de não afectar as outras diligências que ainda estão em curso, publicar o presente relatório de análise sobre uma série de questões relacionadas com o actual serviço de autocarros públicos, designadamente o modelo de exploração, a concessão de serviço e o conteúdo dos contratos celebrados. 2. De acordo com os elementos recolhidos pelo CCAC, a Sociedade de Transportes Públicos Reolian, S.A., apresentou, em Junho do corrente ano, um pedido ao Tribunal Administrativo para a aplicação de um processo de urgência e, seguidamente, em Julho passado, intentou uma acção sobre contrato administrativo junto do mesmo Tribunal, solicitando que o Governo lhe pagasse os custos pela prestação dos serviços de autocarros, num montante que ultrapassa os 39 milhões de patacas e ainda os respectivos juros de mora. Ambos os processos encontram-se ainda em andamento no dito Tribunal. Como tal, o respectivo contrato para a prestação do serviço de autocarros deu origem a várias acções judiciais, tendo o Governo sido colocado, assim, numa posição de conflito. É previsível que venham ainda a ser suscitadas outras questões. 3. Na sequência das diligências de investigação e de análise, foi detectada pelo CCAC a existência de algumas ilegalidades, muitas óbvias, nos actos praticados pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) para assegurar o serviço de autocarros públicos, nomeadamente: 1) Ilegalidade por não ter sido cumprido o regime jurídico vigente
A lei vigente apenas permite que os serviços competentes autorizem, a sociedades privadas, que procedam à exploração do serviço de autocarros públicos por "concessão de serviços públicos". No entanto, com a adopção da forma de "prestação de serviço" pela DSAT, os respectivos contratos celebrados violam manifestamente o disposto na legislação vigente, para além de não corresponderem ao interesse público. Isso significa que os três operadores de autocarros estão a "explorar a actividade ilegalmente", uma vez que nunca obtiveram a "concessão", nem celebraram com o Governo os respectivos contratos de concessão. 2) Definição ilegal sobre a matéria de isenção fiscal
Nos termos da Lei Básica de Macau e da Lei n.º 13/2009, de 27 de Julho ("Regime jurídico de enquadramento das fontes normativas internas"), as matérias relativas ao regime tributário têm que ser reguladas pela lei. Em relação ao "Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados", cabe ao director dos Serviços de Finanças a isenção do mesmo imposto. No entanto, a DSAT colocou as disposições sobre a isenção do imposto acima referido no "Caderno de Encargos" e estamos perante uma situação de usurpação da competência do director dos Serviços de Finanças. Isso viola as disposições legais, colocando o Governo num "estado de actuação ilegal". 3) Questões sobre a reversão dos bens afectos à concessão
Nos termos da Lei n.° 3/90/M, de 14 de Maio ("Bases do Regime das Concessões de Obras Públicas e Serviços Públicos"), os bens afectos à concessão deveriam ter revertido para o Governo no termo das concessões. No entanto, por ter sido adoptado pela DSAT o regime de "prestação de serviços", o contrato em causa não faz nenhuma referência a reversão dos bens afectos à concessão no termo do prazo da sua vigência ou quando caducar o mesmo. Na sua resposta dada ao CCAC, a DSAT referiu que tal questão seria resolvida através de negociação com as respectivas prestadoras de serviço. O acto praticado pela DSAT, constitui, nitidamente um incumprimento da filosofia e dos princípios de gestão da administração pública e ainda das disposições legais aplicáveis. Para além disso, segundo os contratos outrora celebrados entre o Governo e duas operadoras de autocarros, designadamente a Transmac – Transportes Urbanos de Macau, SARL e a Sociedade de Transportes Colectivos de Macau, SARL, em 14 de Outubro de 2010, data em que terminou o prazo de concessão, todos os bens afectos à exploração do serviço ora concessionado reverteriam imediatamente para a posse da RAEM, a título gratuito. No entanto, existem aqui várias dúvidas, nomeadamente, como se resolveu a questão relativa à reversão dos bens afectos à exploração do serviço concessionado às duas operadoras supracitadas? Quem tomou a decisão final? O que está registado no inventário dos bens afectos à exploração do serviço em causa? Qual o fundamento em que se baseia o uso contínuo dos bens afectos a explorações que tem sido permitido às duas operadoras acima mencionadas? 4) Ilegalidade da actualização das tarifas pagas às operadoras do serviço durante a vigência do contrato
A DSAT aplica erradamente a lei, isto é, adjudica, por forma de "prestação de serviços", a empresas privadas para a exploração de serviços de autocarros públicos. No entanto, esta forma de contrato não permite, de maneira nenhuma, a actualização das tarifas durante a vigência do contrato. O reajustamento das tarifas dentro do prazo da concessão só pode ser feito com o "contrato de concessão de serviço público". No entendimento adoptado pela DSAT, o Governo recorre ao regime de aquisição de serviços. Então, segundo este entendimento, o Governo pode, por si só, decidir sobre o deferimento ou não do pedido de actualização das tarifas, sendo absolutamente desnecessário estabelecer um acordo com as operadoras de autocarros. Em relação aos actos praticados pela DSAT, verificou-se o afastamento dos princípios e das exigências da gestão pública, não tendo sido respeitado o princípio da legalidade. É óbvio que tal actuação é arbitrária e os actos pela mesma praticados prejudicam gravemente o interesse público. 5) Cláusula de exclusão da responsabilidade em violação da legislação aplicável
Com base no regime adoptado pela DSAT e nos pensamentos que esta teve, foram estipuladas no "Contrato de prestação de serviços de autocarros" cláusulas de exclusão de responsabilidade, favoráveis à "concessionária". Todavia, na verdade, caso sejam correctamente aplicadas as disposições legais e devidamente estabelecido um "Contrato de concessão de serviço público", não será permitida, de maneira nenhuma, a inclusão das cláusulas de exclusão de responsabilidade num contrato de concessão de serviço público deste género, acto que revela, evidentemente, uma aplicação confusa do dito regime por parte da DSAT! Entretanto, o acto praticado não corresponde de facto aos princípios e às regras exigidas e praticadas no âmbito da administração pública. 6) Por outro lado, muitas das cláusulas do "Contrato para prestação de serviços de autocarros" deram ainda origem a várias questões. Pelo facto de não ter recorrido às disposições legais aplicáveis, tal implicou como por exemplo, o que deveria ter sido regulamentado, deixa de ter cláusulas contratuais imperativas no contrato, ao passo que os assuntos que não devem sujeitar-se a qualquer tipo de intervenção, encontram-se estipulados, de forma, detalhada, no contrato, acto que viola nitidamente as disposições legais; Em simultâneo, a DSAT ainda não publicou, até à presente data, nos termos da lei, o texto completo e integral do contrato no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, acto que também violou as disposições legais. 4. O CCAC considera que o dito "novo modelo" constitui grave lesão do interesse público e mau aproveitamento do dinheiro público! O caso analisado é considerado o caso mais grave de violação da lei e de lesão do interesse público que o CCAC verificou no desempenho do seu papel fiscalizador. 5. O CCAC entende que é necessário o Governo adoptar medidas atempadas no sentido de rectificar as ilegalidades detectadas e as soluções para a questão em causa podem consistir nomeadamente em: com base nas cláusulas contratuais, rescindir o contrato sob os princípios da prossecução dos interesses públicos; transformar esse "Contrato de prestação de serviços" em "Contrato de concessão" através do mecanismo consagrado no Código Civil (Conversão através de negócio jurídico) – quanto às cláusulas que podem ser mantidas, essas poderão manter-se, mas entretanto, devem introduzir-se outras cláusulas que se entendam necessárias para suprir conteúdos em falta, de acordo com as "Bases do Regime das Concessões de Obras Públicas e Serviços Públicos"; ou promover uma nova negociação entre as partes e celebrar um novo contrato dentro do contexto de cumprimento rigoroso da legislação aplicável. 6. O "Relatório de investigação e análise sobre a Concessão do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros" encontra-se já disponível para conhecimento público na página electrónica do CCAC (www.ccac.org.mo) em【Novidades / Relatórios de Investigação e Recomendações】. Os interessados podem aceder ao seu conteúdo através da referida página electrónica.