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Uniformização de Jurisprudência: É possível responsabilizar o arguido pelo seu incumprimento anterior das obrigações decorrentes da caução após a prolação da sentença absolutória


O Tribunal de Última Instância conheceu, recentemente, dum recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

O Ministério Público interpôs para o TUI um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no âmbito do processo de recurso penal n.º 125/2024, entendendo que o mesmo está em oposição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, com o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo de recurso penal n.º 27/2022.

O Ministério Público entende que os dois acórdãos do Tribunal de Segunda Instância acima referidos adoptaram soluções opostas quanto à questão de saber se, no decorrer do processo, verificada a violação pelo arguido das obrigações decorrentes da medida de coacção de caução, pode o tribunal, depois proferir sentença absolutória, declarar a reversão do valor da caução para a RAEM, nos termos do art.º 192.º do Código de Processo Penal.

Apreciando o recurso, o Colectivo do TUI afirmou que no art.º 192º do Código de Processo Penal se dispunha expressamente que, o legislador considera imediatamente quebrada a caução quando se verificar a falta injustificada do arguido a acto processual a que deva comparecer ou incumprimento de obrigações que lhe tiverem sido impostas, devendo o respectivo valor reverter imediatamente para a Região Administrativa Especial de Macau. Pelas expressões “a caução considera-se quebrada” e “o seu valor reverte para a Região Administrativa Especial de Macau”, o legislador revela que os efeitos jurídicos da quebra da caução produzem-se nos termos da lei, a partir do momento da sua quebra, independentemente de declaração judicial de reversão para a Região Administrativa Especial de Macau.

Acrescentou ainda o Tribunal Colectivo que embora a alínea c) do n.º 1 do art.º 198º do Código de Processo Penal preveja que as medidas de coacção se extinguem de imediato com a sentença absolutória, esta extinção circunscreve-se apenas ao facto de o arguido deixar de estar sujeito a medidas de coacção após a prolação da sentença absolutória, sem prejuízo das responsabilidades e consequências jurídicas decorrentes da violação anterior das obrigações. Na opinião do TUI, as normas estabelecidas no art.º 192º do Código de Processo Penal visam garantir o cumprimento das obrigações que lhe tiveram sido impostas e a comparência do mesmo a acto processual. Se com a prolação da sentença absolutória se tornasse impossível responsabilizar o agente pelo seu incumprimento anterior das obrigações inerentes, ficaria fragilizada a função da caução como medida de coacção.

Pelo exposto, o Tribunal Colectivo concedeu provimento ao recurso e, nos termos do disposto no art.º 427º do Código de Processo Penal, fixou a seguinte jurisprudência obrigatória para os tribunais da R.A.E.M.: Verificada a quebra da caução ocorrida antes da prolação da sentença absolutória, a confirmação judicial dos pressupostos da quebra da caução após a sentença absolutória não obsta à aplicação do disposto no art.º 192.º do Código de Processo Penal.

Cfr. o acórdão proferido pelo TUI no processo n.º 108/2024.

Nos termos do art.º 426º do Código de Processo Penal, o acórdão de uniformização de jurisprudência em causa será publicado no Boletim Oficial da R.A.E.M., I Série, de 4 de Novembro de 2025.