Saltar da navegação

O crédito deve ser compensado com base no preço de mercado do imóvel adquirido com património comum do casal e com bens próprios


No dia 30 de Junho de 1993, foi registado em Macau o casamente entre A e B, no regime da comunhão de adquiridos. Em 2000, A e B compraram, por escritura pública, uma fracção habitacional em Macau como casa de morada de família, pelo preço de MOP588.240,00. No mesmo dia, eles hipotecaram a fracção a favor do banco, para obter um empréstimo de HKD420.000,00 e pagar o preço dessa fracção. Em 2007, A e B divorciaram-se, e na altura, B comprometeu-se a que a referida fracção pertenceria a A e ao filho deles. Após o divórcio, A reembolsou, sozinho, o empréstimo hipotecário no valor total de MOP196.571,92. Em 2020, B intentou junto do Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base uma acção de inventário contra A, e deduziu reclamação da relação de bens apresentada por A. Após a apreciação da questão relativa à dívida na relação de bens, o Juízo de Família e de Menores julgou parcialmente procedente a reclamação de B. Inconformado com o assim decidido, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, que por sua vez, concedeu provimento parcial ao seu recurso, decretando a alteração do montante da respectiva dívida na relação de bens, de MOP177.187,00 para MOP196.571,92.

Ainda inconformado, A recorreu para o Tribunal de Última Instância, entendendo que só é razoável calcular o montante da dívida envolvida com base na percentagem que o empréstimo hipotecário reembolsado por A representava na altura em relação ao preço de compra do imóvel, aplicando-se esta ao valor actual do mesmo imóvel, ou seja, o empréstimo hipotecário no valor de MOP196.571,92, pago com os bens próprios de A, deve ser aumentado em proporção da valorização do referido imóvel para calcular o crédito.

O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso, indicando que, in casu, tanto o TJB como o TSI consideraram inexistente o conceito de valorização do crédito. Porém, entendeu o Colectivo que, o empréstimo hipotecário que A pagou com os seus bens próprios não só constitui um simples “crédito”, mas também é quantia integrante dos bens próprios e utilizada para adquirir o activo comum do casal. A e B pediram empréstimo hipotecário ao banco a fim de pagar parte do preço do imóvel, quer dizer, tal empréstimo bancário destinou-se ao pagamento parcial do preço do imóvel em causa, e é precisamente o mesmo imóvel que agora se pretende partilhar. Dito por outras palavras, o direito de propriedade do citado imóvel foi adquirido com património comum do casal e com bens próprios de A, e neste caso, a resolução da questão como se estivesse em causa um crédito comum, sem considerar a valorização, implicaria injustiça. Por outro lado, não se esquece que B confessou ter-se comprometido, aquando do divórcio, a deixar o imóvel por inteiro para A e o filho deles, quer dizer, B manifestou a A a vontade de desistir da partilha do imóvel, e em consequência, A assumiu completamente a obrigação de reembolso do empréstimo bancário. Depois de A, confiando nas palavras de B, ter pagado a dívida que originalmente fazia parte das dívidas comuns do casal, B quebrou a sua promessa e exigiu a partilha desse imóvel, o que constitui uma situação de venire contra factum proprium e é suspeito de abuso de direito. Com base nisso, entendeu o Colectivo que, deve aplicar-se o disposto no n.º 2 do art.º 1589.º do Código Civil para fazer compensação devida a A, ou seja, calcular o seu crédito em proporção da valorização da fracção em causa, no entanto, não incide sobre o montante total de MOP196.571,92, uma vez que tal quantia inclui também os juros do empréstimo bancário; enquanto o capital é considerado pertencente aos bens próprios de A, os respectivos juros devem ser considerados como custo de utilização pessoal dos fundos de A, e não devem ser incluídos no preço de compra da fracção.

Pelo exposto, o Tribunal Colectivo do TUI julgou procedente o recurso de A, e passou a decidir que A poderia obter a seguinte compensação do crédito na partilha da fracção autónoma envolvida: [o capital pago (MOP196.571,92, menos os juros)/MOP588.240,00] x o valor da fracção no momento da partilha.

Cfr. o Acórdão do TUI no Processo n.º 114/2024.