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TUI manteve a pena de demissão, aplicada a um guarda policial, pela aceitação de benefícios na intervenção num conflito entre cidadãos


Em 1 de Agosto de 2016, A, guarda policial do Corpo de Polícia de Segurança Pública, interveio numa contenda, motivada por questões relacionadas com um empréstimo, cuja devolução era reclamada por uma cidadã do sexo feminino perante um cidadão do sexo masculino. A, a pretexto da resolução pacífica do problema entre aqueles cidadãos, acabou por aceitar do credor uma ficha de HKD$10.000,00. Na madrugada do dia seguinte, A trocou a referida ficha pelo valor correspondente em numerário, o qual veio a ser perdido na totalidade quando o recorrente jogou numa mesa de “Black Jack” do casino. A não fez constar do seu relatório de serviço a intervenção no incidente acima descrito e só a confessou quando, no dia seguinte, os factos acabaram por ser objecto de denúncia junto de outro agente da autoridade.

Em 15 de Março de 2017, o Secretário para a Segurança proferiu despacho, decidindo aplicar a A a pena de demissão.

Da aludida decisão A interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância. Em 20 de Junho de 2019, o TSI julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão punitiva impugnada.

Inconformado, A recorreu para o Tribunal de Última Instância, alegando que a decisão recorrida viola o artigo 263.º, n.ºs 1 e 3, do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau; incorre no erro de aplicação do artigo 238.º, n.º 1 e n.º 2 alínea n), do mesmo Estatuto e, em consequência, viola o princípio da legalidade e o seu acto não preenche as situações, previstas no artigo 238.º, n.º 2 alínea n), do referido Estatuto, não lhe devendo, por isso, ser aplicada a sanção disciplinar de demissão, pois, caso contrário, viola o princípio da proporcionalidade e da adequação.

O Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância conheceu do caso.

Em primeiro lugar, o recorrente alegou que a norma, contida no n.º 1 do artigo 263.º do Estatuto, deve ser entendida no sentido de, antes de ter o resultado da acção criminal, não se dever proferir decisão final do processo disciplinar. Face a isso, o TUI entendeu que, evidentemente, não tem razão, uma vez que, conforme a referida norma, ao órgão administrativo competente é conferido o poder de decidir se pratica, imediatamente, o acto punitivo ou aguarda o resultado da acção criminal. Nos presentes autos, o recorrente confessou a prática dos factos imputados, o que nada impede que a entidade recorrida tome já a medida punitiva, sem necessidade de aguardar pela sentença penal. Secundariamente, o recorrente sustentou que, como o acto de aceitação de ficha fora praticado durante o patrulhamento, em vez de fora do exercício das suas funções, não se deve aplicar o disposto no artigo 238.º, n.º 1 e n.º 2 alínea n), do Estatuto. Face a isso, o TUI referiu que, na realidade, é indiferente a prática do acto no exercício das funções ou fora delas, sendo que, evidentemente, a expressão “ainda que fora do exercício das suas funções” significa que não é exigível a prática do acto no exercício das funções, pelo que o recorrente também não tem razão. Além disso, o recorrente alegou que a sua absolvição na sentença penal faz presumir a inexistência dos factos imputados, pelo que, na falta de prova para ilidir tal presunção, deve considerar-se que ele não praticou infracção, caso contrário, viola o artigo 263.º, n.º 3, do Estatuto. Quanto a isso, o TUI referiu que, em primeiro lugar, a Administração já tomou a decisão punitiva antes do resultado da acção criminal, pelo que é ilógico aplicar-se tal norma e, por outro lado, estão em causa duas realidades diferentes, isto é, juízo de culpa jurídico-administrativa e juízo de culpa jurídico-penal, sendo a finalidade de aplicação de uma ou de outra sanção também diferente, pelo que não há violação da referida norma.

Para fundamentar que não lhe deve aplicar-se a pena de demissão, o recorrente invocou que o valor envolvido nos factos imputados não é elevado, nem o prejuízo patrimonial causado à parte é elevado e ele tinha bons comportamentos no passado. Quanto a isso, o TUI referiu que, na realidade, o que se revela no presente caso, não é o valor da ficha que o recorrente aceitou, nem o prejuízo patrimonial causado a terceiro, mas sim a gravidade dos factos ilícitos praticados pelo recorrente que, enquanto agente policial com dever de resolver conflitos e problemas entre os cidadãos, decidiu aceitar uma vantagem patrimonial de outrem. Aliás, a “inviabilidade de manutenção da relação funcional”, exigida no n.º 1 do artigo 238.º do Estatuto é considerada como um conceito indeterminado; há que reconhecer que a Administração tem uma ampla margem de decisão e cabe à Administração escolher a pena disciplinar de demissão ou de aposentação compulsiva e o que não pode, é aplicar a pena de aposentação compulsiva a um militarizado que não tenha 15 anos de serviço. Assim sendo, no que concerne à pena disciplinar, a sua aplicação, graduação e escolha da medida concreta cabem na discricionariedade da Administração e só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável. Porém, no caso vertente, não existe tal situação, pelo que não há violação do princípio da proporcionalidade e da adequação.

Pelo acima exposto, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância julgou improcedente o recurso, mantendo a pena de demissão.

Cfr. Acórdão do Processo n.º 107/2019 do Tribunal de Última Instância.



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